CASO & CASOS



Descrevo alguns casos típicos de ocorrências que me deparei na vida de pintor:

Um caso à parte
            Nesse caso o meu caso...
             Nasci artista!
             Entrei na escola, já sabendo desenhar a letra P de Pedro. Esse ano repeti direto, pois pra mim a escola era uma diversão, eu não sabia nem o porque estava lá!
No ano seguinte, eu desenhava bichinhos pros coleguinhas. no segundo semestre já sabendo os nomes das letras, começava a escrever estorinhas: Cartilha Caminho Suave. A professorinha riscava e apagava alguma coisa na lousa, depois de várias tentativas inúteis, ela comenta com as crianças da classe, que seria bom se algum menino soubesse desenhar um asno! Todos os dedinhos da classe apontavam pra mim!
            A professora me pediu pra confirmar que eu sabia desenhar um burro? Sim eu sabia desenhar um burro; um asno; um leão; um boi bastava olhar e pronto desenhava qualquer coisa! A professora me pediu pra ir até a lousa, levou uma cadeira pra que eu subisse e desenhasse o asno! Desenho pronto, a professora de queixo caído sai da classe e volta com a diretora que fica paralisada diante do desenho e pergunta qual o menino que o desenhara, novamente todos os dedos se voltaram pra mim! Bom, aquele desenho ficou um tempão na lousa pra que todas as classes daquela escola pudessem ver!

Assim nasce um artista, esse foi meu primeiro momento!


       
         Havia uma casinha bem dessas de colonia, ao lado de estrada, dentro do sitio, rodeado por plantação de uva, oque deixava o lugar muito apropriado, pra arte de pintar! E toda vez que eu por lá passava, sentia-me desafiado à pintá-la! Um dia aceitei o desafio e convidei o amigo e também pintor, Matateu e pra lá fomos nós com o objetivo de fazer um quadro. Durante o trecho de estrada, soube do Matateu que ele havia ganho da papelaria uma pequena coleção de tintas acrílicas afim de fazer experiência com esse, então, novo produto artístico. Mas não sabíamos utilizá-lo por ser novo e assim o Matateu não conseguiu pintar, porque aquilo secava na hora e não dava tempo de compor as cores, ora pintava com pincel, a tinta secava imediatamente, no pincel, para espanto do artista, ora com espátula, enfim não conseguiu nada! Mas, .... enquanto o professor Matateu lutava pra entender o material, chega o dono do sítio:
         ___Bom dia! ___Nos cumprimentou. ___Bom dia!
         ___O que os senhores estão fazendo aqui?
         ___Pintando um quadro. 
         ___Vocês pediram pra alguém?
         ___Não!
         ___Então fora daqui!!!
         O momento sugeria calma! Como pode uma atividade tão singela como a de pintar, ser tratada dessa maneira? O Matateu com a presença de espírito muito rápido, indaga?
         ___O Senhor não é Fulano de Tal?
         ___Sim sou eu mesmo!
         ___E tem uma filha de nome tal que está no colegial?
         ___Sim! E que tem isso?
         ___É que ela é minha aluna, no colégio. Meu nome é professor Matateu!
         ___Ah! Ela me disse mesmo do Senhor......  ___E foi como um balde de água fria, tudo se resolveu!

Caso II

    Eu e o Irineu, pintor, companheiro de muitas jornadas e pinturas, fomos pintar na região de Jacutinga/Albertina = região montanhosa com águas bonitas e até com algum casarío bonito, e que era um programa que vínhamos ensaiando há tempos. No período em que antecedeu essa viagem, o Irineu fez um tratamento pra perder peso; ficou enxuto, ele e a esposa  felizes com o resultado, após tanto sacrifício! Durante o trajeto já vislumbramos alguns sítios com belas vistas e deixamos marcados para uma visita próxima, já estávamos chegando a cidade e tínhamos que almoçar, pois já era tarde, procurar pensão e conhecer a localidade. No restaurante, ficamos sabendo de uma pensão familiar muito boa (que realmente era) e também que era período de feira agropecuária, então não havia vaga em nenhum hotel ou pensão, mas na indicada havia lugar! Almoçamos arroz, feijão ovo frito e torresmo. Que delícia! O Irineu gostou tanto do feijão que retirou o miolo do pãozinho e encheu-o de feijão, comia-o com gosto. ___Ninguém faz um feijão igual os mineiros! ___Disse. ___E isso repetiu-se todos os dias durante o tempo em que lá ficamos.
      Estivemos  além dos sítios pintando os dias inteiros, na festa da feira agropecuária, numa pizzaria onde não tinha forno nem à lenha nem elétrico, mas sim e unicamente formas fulgor sobre fogão à gaz, incrível aquelas pizzas, nunca mais esqueci.
       Nos sítios a pintura transcorria ali ao vivo, sob os olhares de moradores curiosos, crianças correndo a nossa volta chamando a atenção sobre si mesmas. Um fato chamou-nos a atenção: As crianças mesmo brincando e os adultos conversando entre si, todos com agulhas e linhas, faziam crochê e tricô, porque a cidade tem muitas lojas que vendem esses trabalhos. Havia um senhor que passava horas aí ao nosso lado contando as coisa locais, tinha lá suas galinhas viveiros de peixes alguns animais de montaria e charrete. Ele sorria muito dava gostosas gargalhadas com as histórias e piados do Irineu, dava pra ver suas dentaduras que nunca receberam uma limpeza. Não levávamos lanche, só água, comíamos as frutas locais, alguma hortaliça  assim íamos até 16, 17 horas. Um dia chegamos lá pelas 17 hr, com uma fome e vimos um lugarzinho todo de madeira onde se vendia alguma coisa, paramos:
       ___O que o senhor tem pra se comer? ___Perguntamos.
       ___Só pinga e queijo! ___Respondeu o vendeiro, sob os olhares dos poucos frequentadores do lugar , com seu copinhos de pinga e com seus cavalos do lado de fora esperando pacientemente seu donos.
     ___Vai ser isso mesmo! ___A cachaça mineira é de boa qualidade e o queijo, então.... E esse foi o nosso lanche da tarde: Uma delícia de queijo meia-cura e pinga!
         Como tudo tem um fim, e hoje é apenas saudades, voltamos pra casa. Primeiro passamos na casa do Irineu, porque ele mora em Campinas, Tocamos a campainha e lá surge D. Cleide a esposa, vem chegando e a cada passo que se aproxima, ela vai mais e mais abrindo o olhos e mudando a expressão para mais atenta, até abrir o portão: ___Mas oque é isso? Você engordou tudo de novo? Não adiantou nada aquele esforço para emagrecer?
      ___Pois é! Foi o feijão... !?


Caso III

      Quase que diariamente, nos encontrávamos para pintar, eu e o Irineu  e isso foi por muito tempo, porisso temos muitas histórias...
         Já era final de tarde, foi um dia quente... apesar de estarmos pintando no campo, lugar aberto; com leves brisas, mas sob um guarda sol que provocava desidratação, terminada a tarefa, estávamos guardando os materiais quando nos lembramos de um amigo pintor, que pusera o quadro sobre a capota do carro, enquanto lidava com seus materiais e findo mesmo, sentou-se ao volante e foi embora com o quadro em cima do teto. Nunca mais o encontrou...
        Para que não ocorresse o mesmo, o Irineu, depositou a paleta com o resto de tintas, sobre o acento do veículo, e guardou tudo. Ato seguinte sentou-se, deu uma ajeitada na sentada e percebeu que sentara sobre a paleta com tintas. E agora? Saiu foi até o porta malas e lá encontrou um jornal, foi a salvação. Forrou bem o acento, sentou-se, deu partida e sumiu em direção à sua casa. Lá chegando sua esposa estava na calçada varrendo-a quando o Irineu encostou o carro, abriu a porta e disse:
         ___Adivinhe o que aconteceu? ___Se mostrando sentado sobre o jornal!
        Ela respondeu incontinente e às gargalhadas:
         ___Você cagou nas calças?


Caso IV

        Inverno intenso, manhã clara maravilhosa...
        Chegamos à fazenda eu e Irineu. De cara topamos com uma enorme "tulha", para os colonos "tuia", até tem uma música caipira chamada "Festa na Tuia", nos apresentamos ao administrador e mostramo nossa intenção de pintar as casas da colonia, que era linda, todas branquinhas caiadas com portas e janelas azul colonial, o telhado escuro acarminado, toda emoldurada de paineiras centenárias floridas! Um magnífico quadro! Dessa nossa intenção o nosso interlocutor entendeu errado, e nos disse que não poderíamos pintar as casinhas, pois haviam sido pintadas, por pintores de parede, contratado pelo dono da fazenda, ha poucas semanas! Natural essa compreensão por parte dele, mas posto novamente e de outro jeito, tivemos então a autorização para fazermos nosso trabalho, que era fazer um quadro. Ou seja pintar um quadro!
       Por volta do meio dia, o curioso administrador já estava informado de todas as nossas atividades, de tanto perguntar-nos e ao passo que ia se informando, nos dava as informações de suas atividades e da fazenda, que era criação de gado pra corte e até nos ensinou uma forma pra dessalgar carne seca, através do leite, enquanto um menino de uns oito anos pulava de um lado pra outro sem parar, próprio da idade. Com a proximidade da mãe do garoto, ficamos sabendo que o casal tivera aquele filho já em idade alta e o menino era como uma dádiva de Deus, pois não tinham filhos na idade certa, e mais, que naquele dia era o aniversário do garoto! Que fazer, essa é uma situação em que a gente nunca está preparado, mas lembrei-me que tinha uma telinha pequena de reserva, então desenhei aí ao vivo na hora um retratinho dele e demos de presente ao casal que com lágrimas ficaram sem palavras. Bom, tivemos que aceitar almoçar com eles, no cardápio arroz, feijão e carne seca com rodelas de cebola coradas... e no período da tarde, tivemos café com bolo de fubá!
      Saudades....

Caso V

         Chegamos ao campo...
         Estávamos em três, quando tirei um dos meus banquinhos, pois eu levo sempre dois banquinhos, para se ajustar ao terreno, porque pintar em pé, cansa, riram muito porque meu banquinho era de uma perna só, igual banquinho de leiteiro, assim fica fácil pra usá-lo em terreno inclinado! Eles com poltroninhas de praia procuraram um local onde não perdessem a vista e pudessem sentar! Montamos o equipamento; iniciamos os trabalhos, eu sentado no meu banquinho, naquele terreno inclinado, mas meu corpo bem na vertical, eles com os corpos inclinados pra frente, em pouco tempo começaram a reclamar de dores nas costas! E a tensão continuava...
        Estávamos assim alinhados, um ao lado do outro eles mais próximos, eram uma casal. Marido e mulher, de repente o marido se descuidou e encostou o corpo na poltroninha e ésta virou com as pernas pra cima e no susto ele abriu os braços tentando segurar em algo, arrastou a espôsa ladeira abaixo. Os dois foram parar cinco metros abaixo escorregando pela grama. Só risada!

Caso VI

         Antonio Carlos estava sempre me lembrando de levá-lo num dia qualquer que eu fosse ao campo pra pintar, pois êle queria conhecer o dia de trabalho de pintura, pra ver como éra!
         Aqui em Itatiba a Fazenda Atibainha, produz trigo e quando o trigo está maduro fica muito bonito com aquelas ondas de vento movimentando-o de um lado pra outro. Ondas douradas que vão e vem...
          Bom... Era hora de pintar  e o Antonio Carlos já previamente contatado estava pronto conforme o combinado que era: Enquanto eu pintava, ele fazia um churrarsquinho, até porque éra sábado, e incluia um isopor com algumas cervejinhas. Quando ele veio com um guarda-sol com a marca gelato, lhe falei que iá-mos ter problemas, ele refutou, que como poderia aquilo trazer qualquer problema...
            Já no local, à beira da rodovia Don Pedro I ainda de uma pista só, a grelha acesa uma cachassinha de alambique da nossa terrinha, a cervejinha no ponto, uma carne dura, já mais de hora e tudo transcorria bem entre piadas, observações pitorescas, pois ele nunca havia tido uma experiência assim e a natural implicância de um casal de quero-quero que tentava nos assustar, de repente para um carro; dá um ré; desce uma senhora com seus dois filhos:
            ___ Moço, que sorvete você tem?
            ___ Não tem sorvete nenhum, senhora! É só o guarda-sol que é da gelato!
           Começou...  E conforme a hora ia ficando entre o almoço e o café, mais e mais carros paravam pra perguntar sobre o sorvete, para o transtorno do meu amigo! Um ônibus de excursão passando, ouvimos o freio do motor sendo acionado! Putz!!! Agora ferrou! e o ônibus parou e veio de ré até nós, e comoçou descer gente, todos com o mesmo propósito: Sorvete!
           ___ Olha, só temos aqui umas cervejas, uma pinga e uma carne dura. Dizia meu amigo! Mas quando parou a perua da policia rodoviária, ficamos preocupados, será que estamos cometendo alguma falta... Perguntou o policial muito gentilmente:   ___Que sorvete vocês tem? ___Depois da negativa e eles foram embora, meu amigo jogou o seu guarda-sol barranco abaixo!
           À partir de então, tudo transcorreu perfeitamente bem, e a pintura fluiu tranquila...

Caso VII

           Recentemente fui contactado por alguém que nascera num sítio, no qual eu tinha feito alguns quadros, essa pessoa comprou dois trabalhos e se interessou que eu pintasse um outro do mesmo sítio só que era um pouco mais acima dos quadros anteriores, esse, oculto entre pedras e árvores, era a casa onde ele nasceu e cresceu. Aceite a encomenda e na primeira oportunidade, fiz contacto com o proprietário atual e que residia naquele lugar. Fomos eu e minha mulher, pela manhã, até pra poder estudar o movimento do sol, munido com uma câmera fotográfica, Fomos recebidos por um casal muito simpático que nos ofereceu até um café, como a sombra era muito intensa, demonstrei a necessidade de voltar à tarde para fazer as fotos e assim combinados, segui meu caminho!
            À tarde voltei para as fotos e eis que tudo estava mudado! Havia alguns homens à volta da casinha donde saiu o simpático senhor daquela manhã, com uma cartucheira nas mãos dizendo que eu poderia ser alguém mal intencionado que estava preparando terreno para ladrões e me expulsou de lá tentei dialogar mas entre as pessoas presentes alguém o havia aconselhado a não permitir as fotos! Terrível....

Caso VIII

           Estava pintando em uma colina sob o guarda sol, lá embaixo o Rio Atibaia serpenteava monótono calmo, após suas águas terem caídos ribanceira abaixo numa cachoeira bem bonita! Onde eu estava era campo de pastagem de gado, lá no horizonte à minha frente, o céu num claro atrás das nuvens feitas de algodão, mostrava um azul esverdeado típico de dias após chuvas. Céu limpo sem poluição! O quadro era isso: a paisagem com horizonte distante cheio de detalhes com o rio e as matas ciliares e a estradinha que entrecortava os morros  e vales, por vêzes  sumia, depois aparecia; lá distante vinha em passos lentos, velho carroceiro, conhecido de todos, Seu Chico, com seu também velho companheiro o cavalo pombinho que andando pra lá e pra cá levava e trazia umas poucas coisa para seu sítio.
            A essa altura dava pra perceber o quão difícil acertar as cores suaves com matizes azulados pela atmosfera, numa perspectiva aérea, percebida pelo brilhante Leonardo Da Vinci. Eu ali desafiado pela natureza quando me sentei em frente ao cavalete: ___Pinte-me se puderes! ___Não vou desapontá-la, pensei! Continuei pintando as tintas falavam entre elas, sobre mim e pelo jeito era meio secreto, até que entrei nessa conversa, dai pra frente as coisas melhoraram! Concentração total absoluta. Nada, nada mesmo desviava daquela visão... Até que: ___VOLOLÓLÓLÓ!!! ___Atrás de mim, uma vaca cheirando meu guarda sol! Que susto!!!


Caso IX

                Estávamos em três pintores sobre a ponte do Rio Atibaia pintando um angulo com reflexos muito belos na curva em nossa frente, ao lado esquerdo havia uma reserva de mata fechada, nós todos muito concentrados na pintura que era temática "Rios", quando parou uma Mercedes preta e um senhor parecia um estrangeiro ficou observando nosso trabalho por um tempo depois falou: ____Que horas pode ficar pronto esse quadro? ___É que sou o proprietário dessa fazenda ai em frente e gostaria que fossem comigo para mostrá-la aos senhores! ___Legal no horário combinado bem à tarde ele veio nos buscar para conhecer a fazenda, contou-nos alguns casos muito interessante ocorridos lá dentro; estadia de figuras ilustres que se hospedaram lá e nos convidou pra pintar lá dentro.
                Ficamos sabendo que o escritor Monteiro Lobato escreveu a série Jeca Tatu nessa fazenda, a pedidos do Laboratório Farmacêutico Fontoura! Quem lembra do Biotônico Fontoura, que era um fortificante!
                 Mas nos entremeios ocorreram algumas situações embaraçosas do tipo assim; passa um carro de policia, a seguir mais um outro e mais outro, logo mais um veículo maior com cães... pensamos que ia ter uma guerra. Um veículo da policia, volta e para ao nosso lado perguntando se era nossos os veículos lá estacionados, que confirmamos que eram! Pois bem o policial nos disse aconselhando que fossemos embora com urgência daquele lugar, pois naquela mata estariam escondidos cerca de vinte presidiários que teriam fugidos da cadeia de Campinas...


Caso X

                O Bicão



   

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